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Um espaço dedicado à partilha e reflexão de diversas temáticas da psicologia e terapia de casal...

Por Ana Teixeira 26 set., 2022
Aritgo de opinião escrito para a comunidade Uniarea. Clique aqui para ler artigo completo.
Por Ana Teixeira 07 mai., 2021
O que é a Perturbação Borderline da Personalidade? A Perturbação Estado Limite (Borderline) da Personalidade diz respeito a uma estrutura de personalidade marcada por uma grande instabilidade a nível das relações interpessoais, dos afetos e da autoimagem, combinada ainda com uma grande impulsividade. Como tal, a Perturbação Borderline da Personalidade tende a provocar uma grande disfuncionalidade e sofrimento nos demais contextos de vida da pessoa, quer a nível pessoal, social e/ou laboral. Como é realizado o diagnóstico? O diagnóstico clínico da Perturbação Borderline da Personalidade obedece aos critérios de diagnóstico definidos pela quinta edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais - DSM-V, desenvolvido pela American Psychiatric Association (APA) em 2013. Critérios de diagnóstico (APA, 2013): Padrão global de instabilidade no relacionamento interpessoal, na autoimagem e afetos, e impulsividade marcada, começando no início da idade adulta e presente numa variedade de contextos, como indicado por 5 ou mais dos seguintes critérios: Esforços frenéticos para evitar o abandono, real ou imaginado; Um padrão de relações interpessoais intensas e instáveis, caracterizado por uma alternância entre extremos de idealização e desvalorização; Perturbação de identidade: autoimagem ou sentimento de si próprio marcados e persistentemente instáveis; Impulsividade em pelo menos duas áreas que são potencialmente autolesivas (por exemplo, gastos, sexo, abuso de substâncias, condução imprudente, ingestão alimentar compulsiva); Comportamentos, gestos ou ameaças recorrentes de suicídio ou comportamento automutilante; Instabilidade afetiva devido a reatividade de humor marcada (por exemplo, episódios intensos de disforia, irritabilidade ou ansiedade, em regra durando poucas horas e raramente mais do que alguns dias); Sentimento crónico de vazio; Raiva intensa ou inapropriada, ou dificuldades em controlar a raiva (por exemplo, demostrações frequentemente de temperamento, raiva constante, lutas físicas recorrentes); Ideação paranoide transitória reativa ao stresse ou sintomas dissociativos graves. Outras características da P. Borderline da Personalidade Estima-se que a Perturbação Borderline da Personalidade esteja presente em cerca de 2% a 6% da população mundial, tendo sido predominantemente diagnosticada no sexo feminino (cerca de 75% nas mulheres e 25% nos homens). A Perturbação da Personalidade Borderline revela uma grande variabilidade, onde o padrão mais comum é a existência de uma instabilidade marcada no início da idade adulta, com a presença de episódios graves de descontrolo da afetividade e dos impulsos. No entanto, pode ser possível identificar alguns sinais clínicos no período da adolescência. Já com o avanço da idade, tende a existir uma estabilização desta perturbação, sobretudo na terceira/quarta década de vida, onde uma grande parte de pessoas com Perturbação Borderline da Personalidade alcança uma maior estabilidade nos seus relacionamentos e funcionamento afetivo. Como tal, o prognóstico da Perturbação Borderline da Personalidade poderá revelar-se favorável, sobretudo, se existir um acompanhamento terapêutico adequado. As características centrais desta perturbação de personalidade remetem para a presença de grandes flutuações, com períodos de grande confiança pessoal, a momentos de grande desespero e desorganização emocional, com rápidas mudanças de humor e medo intenso face ao abandono e rejeição. São pessoas emocionalmente muito instáveis, podendo rapidamente oscilar entre a alegria, a calma, ou a irritabilidade e a tristeza. Neste ponto, por vezes, tende a predominar alguma confusão entre a Personalidade Borderline e Perturbação Bipolar. Contudo, a primeira refere-se a um distúrbio de personalidade, remetendo para um padrão de pensamento e comportamento rígidos e desajustados, com alterações emocionais intensas e rápidas (por vezes, a ocorrer num só dia); já a Perturbação Bipolar é uma perturbação do humor, caracterizada por uma alternância de episódios de euforia (designados de mania), combinados com episódios depressivos, mas de maior duração (isto é, podem durar semanas ou meses). Todavia, os dois distúrbios podem coexistir, uma vez existirem comorbilidades associadas à Perturbação Borderline da Personalidade. A forma de sentir e pensar de uma pessoa com Perturbação Borderline da Personalidade é, assim, muitas vezes classificada de “tudo ou nada”, “preto ou branco”. Como tal, tendem a ver o mundo e as relações em polos de idealização e desvalorização: rapidamente a situação passa de fantástica a terrível, as pessoas de extraordinárias a malvadas. Em situações mais extremas e de grande stresse, podem surgir sintomas dissociativos graves, como delírios e alucinações auditivas e visuais, embora transitórios e de curta duração (distinguindo-se, assim, de um quadro de esquizofrenia). Pessoas com Perturbação Borderline da Personalidade podem revelar um padrão de “autossabotagem”, sobretudo quando estão perto de alcançar um objetivo – por exemplo, abandonar um percurso académico imediatamente antes da sua graduação, ou terminar uma relação positiva quando a mesma se pode revelar duradoura. A existência de um padrão instável na esfera interpessoal pode proporcionar que estes indivíduos sejam despedidos recorrentemente nos seus contextos laborais, assim como revelar uma sucessão de términos de relações e/ou divórcios. Ademais, pela possibilidade de existirem comportamentos autolesivos ou tentativas de suicídio, poderão resultar incapacidades físicas graves. Estes comportamentos autolesivos têm frequentemente a função de proporcionar alívio face a um sofrimento e stresse que são intoleráveis para a pessoa com Perturbação Borderline da Personalidade. As perturbações coocorrentes mais comuns com a Perturbação Borderline da Personalidade incluem a perturbação depressiva ou bipolar, perturbações de ansiedade, a perturbação de uso de substâncias e perturbações alimentares (particularmente a bulimia nervosa). Etiologia da P. Borderline da Personalidade A compreensão das causas que podem estar na origem da Perturbação Borderline da Personalidade são complexas e permanecem incertas. Alguns fatores, no entanto, podem exercer a sua contribuição. Ao nível de fatores genéticos, parece que a Perturbação Borderline da Personalidade é 5 vezes mais frequente em indivíduos que apresentam familiares de primeiro grau com a mesma perturbação. Fatores neurobiológicos parecem evidenciar alterações ao nível das estruturas e circuitos cerebrais, responsáveis pela regulação emocional, incluindo as áreas da amígdala, do hipocampo e das regiões do córtex orbitofrontal – relacionado com as emoções, o comportamento social e a personalidade. Fatores relacionados com a história individual/familiar parecem também revelar a sua influência, onde alguns indivíduos com Perturbação Borderline da Personalidade revelam uma história infantil marcada por abusos físicos, verbais e sexuais, negligência nos cuidados parentais, conflitos intensos no sistema familiar, ausência de afeto parental e/ou perda parental precoce. Intervenção Psicológica na P. Borderline da Personalidade A intervenção clínica ao nível da Perturbação Borderline da Personalidade é semelhante para a grande maioria das diferentes perturbações de personalidade. A psicoterapia revela-se a abordagem mais eficaz, permitindo uma exploração e revisão da história desenvolvimental da pessoa, potenciando a compreensão de padrões de funcionamento pessoal e relacional. Em algumas situações, a combinação com uma terapêutica farmacológica poderá fazer sentido, sobretudo na estabilização de sintomas comórbidos e/ou perante comportamentos autolesivos. Através de uma relação psicoterapêutica empática e colaborativa, procura-se também desenvolver estratégias de regulação emocional e do controlo de impulsos, assim como o desenvolvimento de relações interpessoais mais adaptativas. Procurar ajuda psicoterapêutica pode prevenir outras complicações e sofrimento.
Fobia Social
Por Ana Teixeira 13 mar., 2021
O que é ansiedade social? Certamente, todos nós ao longo da nossa vida já experienciamos situações de alguma ansiedade perante determinadas interações ou desafios sociais. Naturalmente, é esperado que perante um novo desafio – falar em público pela primeira vez numa palestra, ter uma entrevista de emprego ou ter um primeiro encontro – surjam sintomas de alguma ansiedade face ao nosso desempenho, uma vez que se trata de atividades nunca antes realizadas. Estas são situações consideráveis normativas, onde a ansiedade poderá surgir como adaptativa, impulsionando-nos para a ação. Contudo, em determinadas situações, a mesma ansiedade pode atingir níveis desproporcionais, interferindo negativamente no modo de vida da pessoa. O que é a perturbação da ansiedade social? A perturbação de ansiedade social, também designada por fobia social, diz respeito a um quadro clínico marcado pelo medo ou ansiedade intensa perante uma ou mais situações sociais onde a pessoa está exposta ao possível escrutínio dos outros, isto é, a uma possível análise, avaliação ou observação de terceiros. Possíveis situações sociais são, a título de exemplo, ter uma conversa ou um encontro social, ser observado em determinados contextos (como comer ou beber) e/ou estar em situações de desempenho (como falar em público). Estes contextos representam, assim, situações potencialmente ameaçadoras, desencadeando medo ou ansiedade intensa. A pessoa com perturbação de ansiedade social teme comportar-se ou mostrar sintomas e sinais de ansiedade (por exemplo, corar, suar, gaguejar, tremer…) que possam ser embaraçosos e observados pelos outros de uma forma negativa e humilhante. As situações socias são assim frequentemente evitadas ou enfrentadas pela pessoa com grande desconforto emocional, podendo, em algumas circunstâncias, desenvolver uma ansiedade antecipatória muito intensa ou mesmo um ataque de pânico. Por norma, o medo e a ansiedade são desproporcionais face ao perigo real que a situação social em si efetivamente provoca. Contudo, a pessoa que sofre de uma perturbação de ansiedade social tende a revelar um mal-estar clinicamente significativo, interferindo nas suas realizações pessoais, sociais e até ocupacionais. Sintomas da perturbação de ansiedade social Alguns sintomas fisiológicos possíveis de um quadro de ansiedade social são: Aumento do ritmo cardíaco; Tremores; Suores; Náuseas; Dificuldades em respirar; Boca seca; Gaguez; Dores abdominais; Tensão muscular; Dores de cabeça; Ruborização intensa (corar); Agitação motora. Consequências funcionais da perturbação de ansiedade social A gravidade da ansiedade social e a extensão das situações que provocam medo podem ser variadas. Em alguns indivíduos a ansiedade social pode estar limitada a determinadas situações – por exemplo, revelar uma ansiedade intensa perante uma exposição em contexto laboral, como ter uma reunião, mas sentir-se confortável num convívio social, enquanto outras pessoas podem revelar um padrão generalizado, onde a ansiedade e o medo emergem em quase todas as situações sociais. Em casos mais extremos, a pessoa poderá evitar comer, beber ou falar em espaços públicos, prevenindo-se de uma possível avaliação negativa do outro e da emergência de um sentimento de rejeição e de inadequação pessoal. Como tal, a perturbação de ansiedade social pode interferir na capacidade da pessoa em relacionar-se com o outro, mesmo nos contextos mais simples do dia-a-dia, de iniciar e manter relacionamentos saudáveis, assim como de se permitir a usufruir plenamente de situações de lazer, promovendo um forte sentimento de solidão. Ademais, um quadro de fobia social poderá perturbar as próprias escolhas e percurso escolar e/ou profissional; alguns indivíduos podem escolher intencionalmente profissões que exijam pouco contacto social, mesmo que não seja a carreira desejada, ou evitarem ativamente situações necessárias de avaliação e desempenho, o que leva a um prejuízo do seu desempenho e identidade profissional. Frequentemente, pessoas com fobia social reconhecem que os seus medos são excessivos e desproporcionais face à situação real, mas revelam grandes dificuldades na gestão emocional, potenciando um forte sentimento de incontrolabilidade, culpa e baixa autoestima. Causas e fatores de risco na ansiedade social Podemos identificar as seguintes causas / fatores de risco na perturbação de ansiedade social: Fatores temperamentais: indivíduos com perturbação de ansiedade social tendem já a apresentar traços de personalidade que remetem para um maior evitamento, timidez, inibição comportamental, perfecionismo e medo de avaliações negativas; Fatores genéticos: a perturbação de ansiedade social parece ser hereditária, onde os familiares de primeiro grau têm 2 a 6 vezes maior probabilidade de apresentar um quadro de ansiedade social; Fatores ambientais: determinados fatores relacionados com o ambiente e experiências de vida podem constituir fatores de risco, nomeadamente experiências precoces stressantes e de humilhação (por exemplo, bullying), ou mesmo relações de vinculação marcadas pela ausência de afeto e/ou violência. Timidez e ansiedade social – dois conceitos distintos Todos nós revelamos uma determinada estrutura de personalidade, pelo que naturalmente existem pessoas mais reservadas ou extrovertidas. Como tal, revelar uma maior ou menor timidez em situações sociais é um traço comum da personalidade e não representa uma patologia por si só. Também, é importante contextualizar o comportamento da pessoa face à sua própria história de vida, assim como considerar que o comportamento humano varia de acordo com as exigências do meio. Deste modo, existem diferenças importantes entre a fobia social e a timidez normativa. Quando a sintomatologia sentida vai para além de um mero desconforto ou ansiedade pontual, quando já existe um impacto significativo e adverso na vida da pessoa, ao ponto de limitar o seu funcionamento diário e rotinas pessoais, levanta-se a hipótese de uma perturbação de ansiedade social. Tratamento na ansiedade social A Psicoterapia revela-se a modalidade de intervenção mais eficaz em situação de Fobia Social, com destaque particular para a Terapia Cognitivo-Comportamental. Esta abordagem está centrada na psicoeducação acerca do distúrbio, na compreensão das relações entre emoções, pensamentos e comportamento que surgem nas situações sociais, assim como no desenvolvimento de estratégias adaptativas que visem a redução dos níveis de ansiedade – por exemplo, técnicas de relaxamento – e de promoção de competências sociais. A exploração da história pessoal de vida, com enfoque para acontecimentos significativos e relações interpessoais revela-se também importante, permitindo uma compreensão mais alargada dos possíveis fatores principiantes da patologia. É possível ultrapassar a fobia social. Procurar a ajuda psicoterapêutica pode prevenir outras complicações e sofrimento.
Por Ana Teixeira 17 fev., 2021
Depressão Pós-Parto
Por Ana Teixeira 31 jan., 2021
O impacto psicossocial do cancro Abordar a temática do cancro sempre despertou medo entre nós. O cancro - ou as enfermidades oncológicas - pode ser definido como um crescimento incontrolável e anormal de células, levando ao desenvolvimento de neoplasias (tumores). Falamos de uma doença onde até ao final do séc. XIX não existia qualquer tratamento para mesma, o que contribuía para a ocultação dos diagnósticos clínicos e um percurso de sofrimento em silêncio por parte do doente. Com o desenvolvimento da ciência, a compreensão do cancro torna-se mais sólida, assistindo-se a processos de cura da doença oncológica, sobretudo, se o cancro fosse detetado e tratado precocemente. Para além da compreensão gradual da dimensão física da doença oncológica, desafios acrescidos começaram a surgir, particularmente na tarefa de transmitir as más notícias – o diagnóstico de cancro – ao paciente e sua família, assim como gerir as reações emocionais decorrentes do processo de adaptação à doença. De facto, não podemos esquecer que corpo e mente representam um todo em interação com o meio ambiente, sendo a saúde o reflexo deste equilíbrio. O que é a Psico-Oncologia? O cruzamento entre a Psicologia e a Oncologia pareceu, assim, inevitável. É graças aos trabalhos pioneiros de Jimmie Holland, uma médica psiquiatra que desenvolveu na década de 70 um serviço de atendimento e investigação sobre questões relacionadas com o cancro, que devemos a definição da Psico-Oncologia. A Psico-Oncologia é “uma subespecialidade da oncologia que procura estudar as duas dimensões psicológicas presentes no diagnóstico de cancro, nomeadamente o impacto do cancro no funcionamento emocional do/a doente, na sua família e nos profissionais de saúde envolvidos no tratamento; e o papel das variáveis psicológicas e comportamentais na incidência e sobrevivência do cancro”. Com a emergência da Psico-Oncologia, assistiu-se a uma valorização crescente da experiência emocional do doente oncológico. A Psico-Oncologia assume um papel crucial, a saber: Na compreensão da doença oncológica na sua dimensão física, psicológica, social e comportamental, com enfoque na compreensão do impacto psicológico do diagnóstico de cancro e respetivos tratamentos; No alívio da sintomatologia física e psicológica em resultado dos tratamentos médicos realizados; Na facilitação à adesão terapêutica, permitindo a redução dos níveis de stresse e a promoção da qualidade de vida do doente e sua família. A doença oncológica e as suas fases Atualmente, falar de cancro já não é sinónimo de uma “sentença de morte”. No entanto, a sua incidência a nível mundial tem vindo a aumentar, aliado ao facto de a doença oncológica representar uma doença crónica e de prognóstico incerto, suscitando um sentimento de ameaça contínuo à própria vida. Ademais, os tratamentos realizados poderão ser profundamente invasivos, com efeitos secundários que provocam limitações ao nível da funcionalidade, diminuindo, em consequência, a perceção de qualidade de vida. Desafios acrescidos existem se pensarmos em cada uma das fases que a doença oncológica pode assumir. A doença oncológica pode assumir diversas “trajetórias” provocando sentimentos, pensamentos e experiências distintas: Pré-diagnóstico: fase marcada por um estado de preocupação recorrente e sentimentos de dúvida perante a existência de sintomas considerados estranhos e desconhecidos. A espera por explicações médicas, assim como a realização exaustiva de exames clínicos que levem a uma (des)confirmação de um diagnóstico, poderá ser profundamente angustiante. Diagnóstico: momento onde os sentimentos predominantes remetem para o choque e a negação. Há a necessidade de procurar um sentido para o sucedido – “Porquê eu?” – pois o diagnóstico de cancro é considerado um evento traumático. Representa uma fase onde grandes quantidades de informação têm que ser processadas num curto espaço de tempo, potenciando a confusão mental já existente. Tratamentos: embora os tratamentos realizados vão depender da situação clínica e condição do doente, esta é considerada a fase de maior dor, de sofrimento físico e psicológico. Será um período de confronto progressivo com os efeitos secundários das terapêuticas, efeitos que, por vezes, são invasivos e mutilantes, como a fadiga constante e as alterações físicas e cognitivas. Estas consequências levam a uma perda de autonomia e um estado de maior dependência, podendo gerar fortes sentimentos de impotência pessoal. Ademais, a necessidade de despender tempo na realização de tratamentos provoca inevitavelmente uma rotura com os contextos de vida significativos, como a família ou o contexto laboral. Deste modo, a fase de tratamentos é considerada a fase de maior potencial para o desenvolvimento de perturbações psicológicas, particularmente quadros clínicos de ansiedade e de depressão. Remissão: é o período onde não são detetadas manifestações clínicas da doença. Representa uma fase de “lua-de-mel”, com o regresso gradual à normalidade e às rotinas de vida. Nesta fase poderão surgir reações emocionais contraditórias, ora de alegria e alívio pelo término dos tratamentos, ora de insegurança e desamparo, emergindo preocupações face ao futuro e mudanças surgidas. Este sentimento de insegurança poderá traduzir-se numa postura de hipervigilância em relação a sinais de recorrência da doença, assim como uma dependência excessiva dos contextos médicos – traduz-se pela chamada Síndrome de Damocles, isto é, a sensação de sentir uma “espada em cima da cabeça”, traduzindo o significado de viver constantemente com o medo da recaída da doença. Sobrevivência: um período de remissão prolongado pode significar a cura da doença, considerando-se clinicamente o marcador temporal dos 5 anos de remissão da doença após o seu diagnóstico. Na fase da sobrevivência emerge a necessidade de redefinir os objetivos de vida, de realizar um balanço de todo o percurso de doença. Pode novamente ser uma fase de confronto com as sequelas resultantes da doença, a nível físico, psicológico, social e económico. Estudos têm demonstrado que os sobreviventes de cancro revelam níveis mais elevados de distress psicológico, apresentando um maior risco de desenvolver sintomatologia característica de uma perturbação de stresse pós-traumático. Gerir as expectativas do meio social poderá ainda ser difícil, pois alguns familiares e/ou amigos podem esperar que os sobreviventes revelem uma conduta normativa e assumam uma atitude extremamente positiva. Recidiva: infelizmente, nem todas as trajetórias de doença terminam na fase de sobrevivência. A recidiva corresponde ao reaparecimento da doença, suscitando uma nova crise pessoal e familiar, com predomínio de sentimentos de desesperança, impotência e revolta. Esta nova experiência poderá ser mais devastadora que o diagnóstico inicial, uma vez que já existe conhecimento prévio do que se poderá enfrentar. Os medos são assim exacerbados, intensificando-se as ideias de morte. Fase terminal: nesta fase, poderá existir uma procura desesperada de novas opiniões clínicas e tratamentos alternativos. Reações emocionais intensas predominam, como o desespero e o medo do sofrimento perante a consciência da própria morte. Os cuidados de natureza paliativa revelam-se cruciais nesta fase, onde o objetivo já não será a cura da doença, mas garantir o melhor conforto e qualidade de vida possíveis. Uma vez que são cuidados que podem prolongar-se dias, meses ou anos, é fundamental desenvolver formas de cuidado humanísticas e ir ao encontro das necessidades e desejos do doente e família. O processo de adaptação à doença oncológica revela-se, assim, complexo, pautado por desafios singulares. Esta capacidade de maior ou menor adaptação à doença revela-se de extrema importância, traduzindo-se num fator de proteção ou de risco na qualidade de vida do doente. Acompanhar o doente e respetiva família em cada fase do percurso da doença é imperativo, facilitando-se o próprio processo de adaptação e reduzindo-se os riscos emocionais. Como tal, a Psico-Oncologia desempenha um papel fundamental na avaliação e intervenção nas questões psicossociais e necessidades da população oncológica.
Por Ana Teixeira 04 jan., 2021
O que é a Perturbação Obsessivo-Compulsiva? A Perturbação Obsessivo-Compulsiva (POC) é uma doença psiquiátrica caracterizada pela presença de obsessões – isto é, pensamentos, impulsos ou imagens mentais recorrentes e desagradáveis - e/ou compulsões - comportamentos repetitivos ou atos mentais que a pessoa se sente na obrigação de realizar em resposta às obsessões. Estima-se que a prevalência da POC seja aproximadamente de 2% na população mundial, afetando cerca de 1 em cada 40 adultos. Em Portugal, a taxa de prevalência ronda os 4,4%. A Organização Mundial de Saúde (OMS) introduziu a POC na lista das dez condições mais debilitantes em todo o mundo, sublinhando-se assim a importância de abordar a problemática e compreender a sua caracterização clínica. Diagnóstico da Perturbação Obsessivo-Compulsiva Para se atribuir um diagnóstico de POC, a Associação Americana de Psiquiatria estabeleceu como critérios de diagnóstico, na 5ª edição do Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, a presença de duas principais componentes, embora possam ser independentes, mas fortemente associadas (American Psychiatric Association, 2013), a saber: Presença de obsessões, definidas por: Pensamentos, impulsos ou imagens recorrentes e persistentes, experienciados como intrusivos ou indesejados, provocando ansiedade ou mal-estar marcados. O conteúdo das obsessões pode ser distinto, sendo as obsessões mais comuns as que remetem para a contaminação, dúvida-verificação, preocupações somáticas (doenças), ordem/simetria, agressividade/violência, conteúdos sexuais, conteúdos religiosos. A pessoa tenta ignorar ou anular tais pensamentos, impulsos ou imagens com algum outro pensamento ou ação, isto é, realizando uma compulsão. Compulsões, definidas por: Comportamentos repetitivos (como por exemplo, lavar as mãos, verificar, ordenar) ou atos mentais (por exemplo, contar, repetir palavras ou frases) que a pessoa se sente na obrigação de realizar em resposta a uma obsessão, como uma espécie de regra que tem de ser executada rigidamente. Os comportamentos ou atos mentais têm como objetivo prevenir ou aliviar a ansiedade, ou prevenir situações temidas (por exemplo, se não repetir uma palavra especifica três vezes algo de mal pode acontecer a um familiar); contudo, estes comportamentos ou atos mentais não estão associados de forma realista com o que se pretende prevenir e são claramente excessivos. Ademais, este alívio da ansiedade é temporário, gerando assim uma falsa sensação de alívio e necessidade de repetir as compulsões, perpetuando um ciclo vicioso de manutenção da POC. Todos nós, a determinado momento da nossa vida, experimentamos pensamentos do tipo obsessivo, como por exemplo, preocupação face a um evento importante futuro. Do mesmo modo, sentimos necessidade de verificar determinadas ações, como conferir se portas ou janelas ficaram bem fechadas, assim como reforçar alguns cuidados, como ao nível das limpezas. Contudo, existe uma diferença clara entre o que representa um comportamento normativo e o que já poderá ser considerado um comportamento patológico; vai para além das meras “cismas”, expressão que vulgarmente utilizamos no nosso dia-a-dia. Para ser atribuído um diagnóstico de POC, as obsessões e/ou compulsões têm que consumir tempo (levar mais de 1h por dia) e causar mal-estar clinicamente significativo, interferindo na capacidade da pessoa levar a cabo as suas rotinas de vida, prejudicando a esfera pessoal, social e/ou ocupacional. Este critério permite assim distinguir a presença de uma POC de comportamentos repetitivos ocasionais. Fatores de risco na Perturbação Obsessivo-Compulsiva Embora as causas exatas sejam desconhecidas, existem determinados fatores associados a um risco aumentado de desenvolver uma POC: Fatores temperamentais: tendência para uma personalidade marcada por traços de afetividade negativa, controlo, perfecionismo e inibição comportamental. Desenvolver uma perturbação de tiques ao longo da vida parece, também, aumentar o risco de desenvolvimento de uma POC. Fatores ambientais: histórias de vida marcadas por abuso físico e/ou sexual na infância, assim como a existência de outos eventos de vida traumáticos foram associados a um aumento do risco no desenvolvimento de POC. Práticas parentais caracterizadas por uma reduzida expressão emocional e grandes níveis de exigência e moralidade parecem também constituir um fator de risco no desenvolvimento futuro de POC. Fatores genéticos e fisiológicos: vários estudos revelam que familiares de primeiro grau de indivíduos com POC apresentam uma maior probabilidade de desenvolver a doença. Ainda, estudos baseados na neuroimagiologia têm revelado diferenças nos circuitos morfológicos cerebrais de indivíduos que apresentam POC, comparativamente com aqueles que não apresentam a perturbação, assim como um desequilíbrio químico ao nível dos neurotransmissores da serotonina e noradrenalina (substâncias químicas libertadas pelos neurónios, com função importante ao nível da regulação do humor). Constata-se, assim, que a POC é uma perturbação mental bastante heterógena. Tende a manifestar o seu início no período da adolescência, revelando um desenvolvimento gradual da sintomatologia ao longo da vida adulta. Em alguns casos poderá manifestar-se na infância, sendo um fator de mau prognóstico devido à tendência para não reconhecer a irracionalidade dos sintomas. O início precoce tendem a ser mais comum no sexo masculino, ao passo que na idade adulta o sexo feminino é ligeiramente mais afetado. Parece, ainda, que o início da perturbação após os 35 anos é pouco frequentemente. Especificidades da Perturbação Obsessivo-Compulsiva Frequentemente, pessoas com POC apresentam crenças disfuncionais, marcadas por um sentido de responsabilidade exagerada e uma tendência para sobrestimar a ameaça. Revelam traços marcados de perfecionismo, necessidade de controlo e uma grande intolerância à incerteza ou dúvida – como tal, é comum a POC ser designada como “a dúvida patológica”. Pessoas que sofrem e POC tendem também a dar uma importância excessiva aos pensamentos que surgem – por exemplo, acreditar que ter um pensamento mau faz de si uma pessoa má. A POC é uma condição clínica egodistónica, isto é, entra em conflito com o autoconceito da pessoa e o seu sistema de crenças e valores; frequentemente, a pessoa reconhece que o conteúdo das suas obsessões e as compulsões que realiza é bizarro, desagradável e sem sentido. No entanto, geram resistência e dificuldades no seu controlo, o que potencia estados de grande ansiedade e sofrimento emocional. Algumas pessoas acabam por evitar determinados locais e interações sociais, com medo que as obsessões e compulsões sejam desencadeadas, “prevenindo-se” de experienciar este sofrimento; por exemplo, obsessões relacionadas com a contaminação podem levar a que um individuo evite espaços públicos, ao passo que obsessões com conteúdo violento podem levar uma pessoa a se afastar dos seus familiares e amigos, o que contribui para um estado de isolamento social, pior qualidade vida e o aumento do sofrimento psicológico. Ademais, os próprios familiares percecionam as suas vidas afetadas, frequentemente devido às regras impostas pela pessoa com POC, contribuindo para a disfunção familiar. Todas estas particularidades potenciam o desenvolvimento de comorbilidades, isto é, o desenvolvimento de outras perturbações psicológicas adicionais e em simultâneo, sendo as mais comuns as perturbações depressivas e de ansiedade (por exemplo, perturbação de pânico, fobia especifica, perturbação de ansiedade social). A existência de comorbilidades representa um fator de pior prognóstico no tratamento da POC. Embora a POC esteja bem estudada e reconhecida na literatura científica, a verdade é que muitas pessoas demoram em média 10 a 15 anos a serem corretamente diagnosticados e a iniciar tratamento. O estigma ainda associado à doença é um fator que contribui para que esta fique “escondida”, levando a pessoa a não procurar ajuda profissional, o que contribui para um estado de isolamento e a vivência de sentimentos de vergonha e de inadequação pessoal. Se não existir tratamento adequado para esta perturbação mental, o seu curso tende a ser crónico, com períodos de oscilação entre melhoria e agravamento dos sintomas, assim como mudanças no conteúdo das obsessões. Tratamento para a Perturbação Obsessivo-Compulsiva Atualmente, o tratamento mais comum e eficaz para a POC resulta na combinação da terapia farmacológica que atua ao nível da sintomatologia – sendo a classe de medicamentos mais receitados os antidepressivos (particularmente os inibidores seletivos da recaptação da serotonina) e os antipsicóticos – e da psicoterapia – onde vários estudos têm revelado a eficácia da Terapia Cognitivo-Comportamental, particularmente a abordagem da Terapia de Exposição e Prevenção de Resposta. A psicoterapia tem apresentado uma eficácia na ordem dos 70-80%, sendo o prognóstico mais favorável aquando a realização de um diagnóstico e tratamento precoces. Denota-se, assim, a importância de não só controlar os sintomas, mas também compreender as causas da doença, com base na exploração da história de vida pessoal, assim como o desenvolvimento de estratégias que permitam uma gestão adaptativa da POC.
Por Ana Teixeira 27 dez., 2020
A perda de alguém que nos é significativo representa um acontecimento de vida potencialmente destruturante. Por mais que a morte seja um destino inevitável, é a verdade; um tema doloroso na nossa sociedade. O luto é assim uma resposta natural à perda de algo ou alguém significativo. É um processo psicológico necessário, permitindo ao enlutado vivenciar a sua dor emocional e adaptar-se gradualmente a um novo contexto de vida onde o ente querido está ausente. O luto engloba um conjunto de manifestações clínicas, isto é, diversas respostas físicas, emocionais, cognitivas (pensamentos) e comportamentais face à perda. Manifestações físicas: como a sensação de aperto no peito, vazio no estômago, falta de ar, cansaço acentuado… Manifestações emocionais: tristeza, ansiedade, culpa, raiva, choque, solidão, saudade… Manifestações cognitivas: preocupação, choque, negação, confusão mental, pensamentos ruminativos (não conseguir parar de pensar no ente querido ou nas circunstâncias da perda) … Manifestações comportamentais: chorar, alterações do sono e do apetite, isolamento, agitação física ou sensação de lentidão… Na verdade, não existem dois processos de luto iguais. Contudo, alguns fatores podem influenciar a forma como cada pessoa irá vivenciar o seu luto, fatores que podem facilitar ou dificultar este processo, como a qualidade e o tipo de relação com o ente querido, a presença ou ausência de suporte social, as próprias características de personalidade do enlutado e, ainda, as circunstâncias que rodearam a perda, isto é, a forma como a morte ocorreu. Importa destacar este último ponto, onde os estudos científicos indicam que parecem ser a perdas inesperadas, como situações de acidente ou doença súbita, que tornam o processo de luto mais difícil de ser elaborado, sendo até frequentemente designado de “luto traumático”. E perante o surgimento de uma pandemia a nível mundial, totalmente inesperada e que veio desafiar a nossa capacidade de controlo enquanto seres humanos, como “ficam” os lutos na era COVID-19? O luto e a COVID-19 Desde o início da pandemia, somos diariamente invadidos com o tema da morte. Este confronto diário parece inevitavelmente suscitar a reflexão sobre a nossa própria finitude enquanto seres humanos. Sentimo-nos, por isso, mais vulneráveis e angustiados. Por mais que na atualidade o conhecimento sobre a pandemia seja mais sólido, a verdade é que as perdas por COVID-19 continuam a ser abruptas, difícil de encontrar um significado, surgindo frequentemente pensamentos como “Se esta pandemia não tivesse acontecido, ainda estaria vivo, pois estava bem de saúde…”. Ademais, o confronto diário com a morte pode evocar perdas passadas e trazer “ao de cima” lutos não resolvidos, representando uma angústia diária acrescida. Devido ao distanciamento social exigido, frequentemente não existiu qualquer tempo de despedida por parte dos familiares. Nestas circunstâncias, assuntos ficaram pendentes, palavras ficaram por dizer, colocando a pessoa em luto num estado de grande angústia e de culpabilização. Não podemos esquecer ainda as restrições inerentes à realização das cerimónias fúnebres, as quais possuem uma função adaptativa muito importante. São rituais que permitem expressar a dor da perda, representar um momento de concretização das despedidas e de permitir a coesão social. A impossibilidade de estar presente no funeral ou de não existir a oportunidade de este ser realizado dentro das circunstâncias desejadas representa um fator de stresse acrescido. Tal dificulta a aceitação da própria perda, levando ao adiamento deste processo e potenciar, assim, o desenvolvimento de lutos traumáticos e problemas psicológicos, nomeadamente quadros clínicos de ansiedade e depressão. O luto é também uma experiência familiar. A perda de um ente querido provoca uma desintegração no sentido de “unidade intacta”, onde a família terá que reencontrar a sua identidade e aprender a viver com o elemento ausente. Cada familiar terá o desafio de saber gerir o seu próprio sofrimento, mas também confrontar-se com as reações emocionais dos restantes elementos do agregado, que podem ser naturalmente distintas no sistema familiar. Por vezes, estas diferenças podem suscitar alguns conflitos no seio familiar, por um elemento, por exemplo, revelar uma maior necessidade de abordar a perda e, outro familiar, necessitar de um maior isolamento. Tolerância e empatia revelam-se assim necessárias, pois o luto é uma vivência única. Neste luto familiar, é ainda frequente que os elementos mais jovens sejam “esquecidos”, com o intuito de proteção por parte dos cuidadores e de os afastar do sofrimento emocional. Contudo, desviar as crianças da vivência do luto tem um efeito negativo, levando ao bloqueio das suas emoções e potenciar o desenvolvimento de problemas psicológicos futuros. Serem parte integrante deste processo de perda permite, ainda, o desenvolvimento da sua maturidade emocional e resiliência. Revela-se assim fundamental uma comunicação honesta, acolher os elementos mais jovens neste processo, adaptando, naturalmente, as explicações sobre o que está acontecer consoante a idade e nível de compreensão da criança. Sugestões para a pessoa em luto Aceite e permita-se a expressar as suas emoções face à perda, pois “bloquear” o processo de luto só intensificará o seu sofrimento emocional; Evite o isolamento, procurando conversar com familiares e/ou amigos que funcionem como fonte de suporte; Comunique de forma assertiva as suas necessidades, para que familiares e amigos que o rodeiam possam também saber como apoiar; Tente não se sentir pressionado perante exigências externas de como “se deve ou não fazer o luto”. Não existe uma forma correta de fazer o luto. É importante respeitar o seu próprio tempo e ritmo; Na impossibilidade de despedida e realização de uma cerimónia fúnebre, encontre a sua forma particular de prestar homenagem ao ente-querido. Como gostaria de prestar uma última homenagem? Para algumas pessoas, recorrer à visualização de fotos do ente-querido, acender uma vela, partilhar memórias em família ou até construir uma caixa com “legados” (por exemplo, com objetos que pertenciam ao ente querido) funcionam como rituais importantes e tranquilizadores; Dentro do possível, continue a investir em atividades ou tarefas que lhe dão prazer. Não sinta culpa por permitir-se sorrir ou ser feliz, pois “os sobreviventes continuam vivendo”. Valorize o autocuidado, apostando na sua saúde física, como manter uma alimentação saudável e um padrão de sono regular, e emocional; Se sentir que o seu sofrimento está a perturbar significativamente o seu dia-a-dia procure ajuda profissional. Um profissional de psicologia pode ajudar.
Por Ana Teixeira 26 nov., 2020
A entrada no ensino superior é, para muitos jovens, o concretizar de um objetivo há muito desejado. Falamos de uma transição para uma nova etapa de vida que permite a elaboração de um projeto vocacional, mas também ele muito pessoal. Os primeiros passos neste mundo universitário são dados com um misto de alegria, expectativas e sonhos, a par de uma ansiedade normativa e de um conjunto de dúvidas se este será “o caminho certo”; e se este processo de adaptação inicial é, por si só, desafiante, o acréscimo de uma pandemia que remete para um cenário de profunda incerteza, coloca esta transição para o ensino superior duplamente desafiante. O distanciamento social exigido a todos nós poderá dificultar os processos de integração necessários e esperados nesta transição, pois não podemos esquecer que muitos assistem ao seu grupo de pares, construído até então, também ele seguindo trajetórias distintas. A aproximação ao outro revela-se fundamental para a partilha e encontro de identidades, permitindo ao jovem universitário definir novos grupos e encontrar um sentido de pertença no novo contexto universitário. A suspensão das atividades de praxe típicas desta receção aos novos estudantes (se baseadas, naturalmente, no respeito pela integridade pessoal), remetem para perdas importantes neste processo de integração; a perda da “magia universitária”, de tradições que caraterizam esta identidade estudantil. O distanciamento social necessário pode ainda potenciar quadros de ansiedade prévios, sentimentos de insegurança pessoal e comportamentos sedentários, sobretudo para muitos estudantes deslocados e que se encontram longe das suas famílias, vendo-se também obrigados a diminuir as suas deslocações a casa. Neste espectro de ansiedade, está ainda a necessidade de adaptação e confronto com novos métodos de estudo e de avaliação. Embora se assuma que os jovens estão bem familiarizados com as novas tecnologias, a verdade é que colocar o ensino atualmente numa base excessivamente digital poderá afetar os processos de aprendizagem, que beneficiam do espaço público de sala de aula, onde as reflexões e a estimulação do pensamento crítico são beneficiados neste espaço in vivo. Embora falamos da “primeira viagem”, não podem esquecer os jovens finalistas; os que se confrontam com a incerteza do futuro, com a necessidade de elaborar escolhas mais firmes e dar respostas a questões como “e a partir daqui?”. A pandemia COVID-19 veio perturbar algumas oportunidades de realização de estágios curriculares e/ou profissionalizantes, experiências que se revelam fundamentais na preparação do jovem adulto para o mundo do trabalho, representando, deste modo, mais uma perda significativa. Ainda, a chegada ao último ano do curso reveste-se de profundos simbolismos; novamente, não podemos pôr de parte os rituais académicos, como a tão ilustre queima das fitas, naturalmente adiada; o colocar da tão orgulhosa cartola, o reconhecimento público do esforço e dedicação, que muitos estudantes sonham desde o primeiro dia de faculdade. Embora os estudantes saibam que estas perdas revestem-se de um bem comum, revela-se fundamental validar as mesmas e reconhecer o impacto da pandemia nas vivências dos estudantes universitários. Acreditar que todas estas experiências aversivas vão dotar os nossos jovens de uma atitude mais resiliente face ao futuro. E como faz parte das belas tradições estudantinas, uma mensagem de esperança a todos vós: “E para os estudantes, não vai nada, nada, nada? Tudo!”
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