A Perturbação de Personalidade Borderline (PPB), também designada de Personalidade Estado-Limite, caracteriza-se por um padrão de instabilidade ao nível das relações interpessoais, dos afetos e da autoimagem, associada a uma grande impulsividade. Tem o seu início na idade adulta e afeta cerca de 2% da população mundial, sendo considerado dos diagnósticos mais desafiantes a nível da psicologia e da psiquiatria, em termos da sua compreensão, avaliação e intervenção. Em Portugal, estima-se que existem cerca de 200 mil pessoas que sofrem desta perturbação.
Compreender a Perturbação de Personalidade Borderline
Pessoas com PPB tendem frequentemente a descrever a sua vida emocional como uma verdadeira “montanha-russa”. As características centrais desta perturbação de personalidade remetem para uma acentuada reatividade do humor, podendo rapidamente oscilar entre a euforia e a angústia. Esta instabilidade e desorganização emocional podem promover comportamentos intempestivos e/ou autodestrutivos, onde a culpa e a vergonha surgem frequentemente como emoções secundárias, contribuindo para uma autoimagem negativa. Em situações de grande stresse e comum serem descritas sensações de despersonalização, onde a pessoa sente ser uma mera observadora do seu corpo; podem surgir sintomas dissociativos transitórios, como delírios e alucinações, sendo necessário em momentos de crise emocional proceder ao internamento hospitalar.
É particularmente no contexto das relações, e por causa delas, que os sintomas se manifestam. Emerge o conflito entre a necessidade de estar próximo do outro e o medo intenso da rejeição e abandono. Como tal, são levados a cabo esforços frenéticos para evitar este abandono, seja ele real ou imaginado, resultando em relações intensas, turbulentas e difíceis de manter a longo prazo. Nesses momentos, podem surgir explosões de raiva e a exigência de melhores cuidados e dedicação. A forma de pensar é muitas vezes classificada de “tudo ou nada”, com tendência a ver o mundo e as relações em polos de idealização e desvalorização; rapidamente a situação passa de fantástica a terrível, o outro de extraordinário a não confiável.
A noção do eu é também permanentemente instável, emergindo dificuldades em estabelecer objetivos e construir um sentido coeso de identidade; um objetivo estabelecido a determinado momento pode perder todo o sentido. Em momentos de conquistas pessoais é também característico um padrão de autossabotagem, acompanhado por uma baixa autoestima e autoconfiança. Este padrão de autossabotagem pode transparecer as suas consequências particularmente nos contextos profissionais, influenciando negativamente a produtividade ou contribuindo para mudanças sucessivas de emprego. Sentimentos crónicos de vazio são tipicamente descritos nas narrativas das pessoas com PPB.
Etiologia da Perturbação de Personalidade Borderline
As causas que estão na origem da PPB são diversas, resultando da combinação de fatores genéticos - cinco vezes mais frequente em pessoas que apresentam familiares de primeiro grau com a mesma perturbação; de fatores neurobiológicos – os estudos revelam alterações ao nível das estruturas e circuitos cerebrais responsáveis pela regulação emocional, incluindo as áreas da amígdala, do hipocampo e das regiões do córtex orbitofrontal; e da história individual/familiar - destacando-se experiências traumáticas de abuso físico, emocional e/ou sexual.
Já no que diz respeito à sua evolução, o padrão mais comum é de instabilidade crónica no início da idade adulta, existindo uma maior estabilidade nos relacionamentos e regulação dos afetos a partir da quarta década de vida.
Um sofrimento incompreendido…
Como referido, a PPB é dos diagnósticos mais desafiantes de estabelecer, sendo fundamental uma compreensão detalhada da história desenvolvimental da pessoa. Frequentemente, esta perturbação é confundida inicialmente com outros problemas de saúde psicológica (que podem efetivamente ser condições comórbidas), particularmente com uma perturbação depressiva, perturbações de ansiedade ou consumo de substâncias. Outra camada de complexidade emerge quando se associa o estigma e a incompreensão em torno desta perturbação. Não é incomum que as pessoas com PPB sejam descritas como dramáticas, infantis ou manipuladoras. Ainda que em alguns casos a instabilidade emocional possa levar a ameaças de suicídio e comportamentos manipulativos, como estratégias de autorregulação, é importante compreender que a manipulação não é uma característica especial, e muito menos exclusiva da PPB.
Por detrás daquilo que erroneamente é caracterizado como uma “chamada de atenção”, reside um sofrimento intenso, que traduz um elevado grau de disfuncionalidade e padrões de autodestruição. Cerca de 75% das pessoas com PPB revelam tentativas de suicídio e 10% dos casos morrem, efetivamente, por suicídio, sendo fundamental encarar esta perturbação como um grave problema de saúde pública. A PPB provoca um impacto e sofrimento significativos nos diversos contextos de vida da pessoa, assim como um elevado sofrimento para os que rodeiam.
A intervenção na Perturbação de Personalidade Borderline
A intervenção na PPB beneficia de uma abordagem multidisciplinar. A psicoterapia revela-se a abordagem mais eficaz, oferecendo à pessoa um contexto terapêutico seguro e de aceitação incondicional. Este contexto permite guiar a pessoa na compreensão e modificação dos seus padrões de funcionamento pessoal e relacional. A combinação com uma terapêutica farmacológica poderá, em alguns casos, fazer sentido, sobretudo na estabilização de sintomas comórbidos, situações de crise e/ou perante comportamentos autolesivos.
É também crucial não esquecer o apoio à família, onde a psicoeducação sobre a perturbação, a construção de uma comunicação empática e o estabelecimento de limites entre os familiares são componentes importantes da intervenção, respeitando-se as necessidades de todos os elementos envolvidos.
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