top of page

Depressão Pós-Parto

anateixeirapsicolo

A transição para a parentalidade representa um evento de vida significativo, pautado por emoções e sentimentos ambivalentes. Múltiplos desafios surgem, nomeadamente a necessidade de a família se reorganizar na sua identidade e estrutura para acolher o novo membro e manter o seu equilíbrio; assim como desenvolver novas responsabilidades e competências relativos ao cuidar do novo bebé.


Falar de gravidez e maternidade é falar de dois conceitos que se cruzam, mas que representam realidades distintas. A gravidez representa um processo biológico que dura mais ou menos 40 semanas entre o período de conceção e o parto. Já a maternidade transcende o período da gravidez, remetendo para um processo emocional e relacional com um outro ser, que existe fora do corpo da mulher – é um projeto de vida a longo prazo.

A mulher, futura mãe, terá assim de vivenciar um conjunto de alterações significativas, não só de ordem física, mas também transformações emocionais. Como tal, o período perinatal - definido como o início da gravidez até 12 meses após o parto - é um período de maior vulnerabilidade psicossocial.


Estudos revelam que a incidência de perturbações psicopatológicas, como a depressão, é mais comum após o parto do que em outras fases da vida da mulher. Segundo dados da Organização Mundial de Saúde (OMS), a depressão pós-parto afeta cerca de 1 em cada 6 mulheres. Apesar do impacto significativo e de ser a complicação emocional mais frequente no pós-parto, a verdade é que a depressão pós-parto continua a ser subdiagnosticada.


 

Sintomas e características clínicas


A depressão pós-parto caracteriza-se por um conjunto de sintomas que se desenvolvem, normalmente, nas seis semanas seguintes ao parto, surgindo de forma gradual ou repentina: humor deprimido e/ou irritável, choro fácil, perda de interesse na interação com o bebé ou ansiedade exagerada pelo seu bem-estar, fadiga, sentimentos de inutilidade e/ou incapacidade na prestação de cuidados, isolamento social, alterações de apetite e do sono (aumento ou diminuição) e dificuldades na realização de tarefas diárias. Em quadros de maior severidade, poderá estar presente a ideação suicida, baseada em fortes sentimentos de desesperança e na crença de que o bebé estará melhor sem a presença da mãe.


A depressão pós-parto distingue-se do baby blues pós-parto, um estado afetivo ligeiro e normativo que atinge cerca de 80% das mulheres, marcado pela presença de um humor mais triste, choro fácil, irritabilidade e alterações do sono, que decorrem das naturais alterações hormonais que a mulher sofre associadas ao parto. O baby blues tende a surgir 3 a 10 dias após o parto, acabando por desaparecer espontaneamente. Já a depressão pós-parto é muito mais do que uma tristeza passageira, distinguindo-se pela sua intensidade e duração dos sintomas.


 

Causas e fatores de risco


As causas associadas ao desenvolvimento de um quadro de depressão pós-parto podem ser de natureza multifatorial, envolvendo fatores biológicos, psicológicos, familiares e socioeconómicos.


As alterações hormonais provocadas pelo parto possuem a sua influência, pois os níveis de estrogénio e progesterona que se encontram aumentados durante todo o período de gravidez diminuem drasticamente após o nascimento do bebé. Complicações na gravidez ou no parto, a existência de perdas gestacionais anteriores e/ou a vivência de uma gravidez indesejada, assim como dificuldades na amamentação, representam também fatores de risco acrescidos.


Existem evidências científicas que o ajustamento psicológico da mulher anterior à gravidez é um fator importante, parecendo serem as mulheres que já apresentavam uma predisposição depressiva ou níveis elevados de ansiedade durante a gravidez, que revelam maior risco para desenvolver depressão pós-parto.


A perceção de apoio e a qualidade do relacionamento conjugal são aspetos cruciais na relação com a sintomatologia depressiva. Parecem ser as mulheres que carecem de apoio e suporte social, que revelam baixos níveis de investimento na relação conjugal e/ou vítimas de violência doméstica que estão mais vulneráveis ao desenvolvimento de um quadro de depressão pós-parto.


O temperamento do bebé poderá também apresentar-se como um fator de risco, onde a presença de um temperamento mais irritável poderá dificultar o desenvolvimento de um vínculo afetivo e contribuir para a construção de um sentimento de inadequabilidade na prestação de cuidados ao bebé.


As expectativas acerca da maternidade e pressão social podem também ser um fator de risco para o desenvolvimento deste quadro. Frequentemente, a mulher vê-se confrontada com crenças erróneas de que a maternidade é um estado de felicidade constante, onde a tarefa de prestar cuidados ao bebé é um instinto natural e esperado de todas as mulheres. Sabemos que estas crenças estão longe da realidade e o confronto da mulher com estas exigências impostas contribui para a construção de um sentimento de ineficácia e de incapacidade no seu papel materno


 

A depressão pós parto pode afetar o pai?

No contexto de relações heterossexuais, não podemos esquecer que assistimos cada vez mais a um equilíbrio no desempenho de tarefas, sendo atualmente a figura masculina também uma figura cuidadora principal.


A depressão pós-parto tende a afetar entre 3 a 10% da população masculina. Os sintomas podem ser semelhantes, onde a negligência dos mesmos pode perturbar o bom desenvolvimento do bebé e afetar o relacionamento conjugal. Contudo, realizar o diagnóstico da depressão pós-parto no pai não é fácil, já que muitos homens revelam dificuldades em assumir a sua vivência emocional, temendo serem ridicularizados. Como tal, muitos dos sintomas apresentam-se “mascarados”, manifestando-se mais frequentemente ao nível de dores musculares e de cabeça, irritabilidade, perturbação do sono e perda de produtividade profissional.


 

A intervenção na depressão pós-parto

A depressão pós-parto tem um impacto negativo na saúde da mãe, podendo influenciar negativamente a qualidade da relação estabelecida com o bebé e o seu bom desenvolvimento. Na verdade, todo o sistema familiar poderá ser impactado, pelo que emerge a necessidade de uma compreensão mais alargada deste fenómeno. Existem intervenções eficazes para a depressão pós-parto, que poderão conjugar o acompanhamento psicoterapêutico com o tratamento farmacológico. Neste último ponto, é importante sublinhar que atualmente existem fármacos seguros e compatíveis com a manutenção do aleitamento materno. É fundamental que cada caso seja sempre devidamente avaliado.


Estratégias protetoras

  • Permissão ao descanso: é fundamental aproveitar os momentos em que o bebé está a dormir para também descansar. Sabemos que certas trefas e responsabilidades domésticas terão que continuar a ser cumpridas, contudo, é fundamental reajustar expectativas face às mesmas, aceitando que desejar ter uma casa perfeitamente arrumada será irrealista nesta fase.

  • Solicitar apoio e delegar: no seguimento do tópico anterior, é de extrema importância mobilizar as redes de suporte (familiares, amigos), saber solicitar ajuda e delegar tarefas – não é por pedir ajuda que fará de si pior mãe (ou pai). Não tentem ser perfeitos!

  • Promover o autocuidado: novamente solicitar a alguém de confiança para que fique a tomar conta do bebé, enquanto realiza alguma atividade prazerosa/lazer.

  • Proteger-se face a opiniões e críticas: a família e o bebé precisam de tempo e tranquilidade para se conhecerem, pois só assim os novos pais estarão atentos e disponíveis para compreender os sinais e pedidos do bebé. Se a mobilização das redes de apoio é fundamental, o estabelecimento de alguns limites também se revela importante (por exemplo, frequência de visitas) e protetora numa fase inicial.

  • Evitar comparações: cada vivência é única, assim como aquilo que vemos de outros contextos pode não traduzir exatamente a sua realidade. Ser fiel aos seus “instintos” podem ainda contribuir para construir confiança face ao seu papel parental.

  • Expressar emoções e necessidades: procure falar sobre o que sente e expressar os seus medos e inseguranças. Recorde-se, ainda, que os sintomas não a/o definem como mãe/pai.

 
 
 

Kommentare


bottom of page